Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes


Doenças Transmitidas pelo Consumo de Água e Alimentos


As doenças transmitidas através da ingestão de água e alimentos contaminados estão entre os principais riscos para a saúde durante as viagens. Estas doenças podem ocorrer em qualquer lugar do mundo, inclusive nos países mais desenvolvidos. Em países em desenvolvimento, onde a infra-estrutura de saneamento básico é inadequada ou inexistente, o risco de transmissão é ainda maior, visto ser relativamente comum a contaminação das fontes de água e de alimentos com resíduos fecais. A encefalopatia espongiforme transmissível ("doença da vaca louca), que é invariavelmente fatal, é transmitida através de ingestão de carne bovina ou derivados contaminados com príons.

Transmissão

A maioria dos agentes infecciosos (vírus, bactérias, protozoários, helmintos) podem ser adquiridos através de transmissão fecal-oral, resultante da contaminação de água e alimentos por dejetos, direta ou indiretamente. A disposição inadequada de dejetos, comumente humanos, ocasiona a contaminação da água que é utilizada para consumo e preparação de alimentos. A contaminação dos alimentos pode estar relacionada com a preparação inadequada (alimentos não lavados adequadamente, crus ou mal passados), com a manipulação sem higiene correta (mãos que não foram adequadamente lavadas) ou com o contato com insetos (moscas e baratas). O consumo de alimentos preparados por vendedores ambulantes ou a ingestão de alimentos crus (ou inadequadamente preparados), em especial frutos do mar, constitui um risco elevado de adoecimento para o viajante A alimentação feita diretamente com as mãos ou o compartilhamento de um mesmo recipiente com outras pessoas (comum em diversas culturas), aumentam o risco de aquisição de doenças.

Em animais, a "doença da vaca louca” afeta exclusivamente o gado bovino que é alimentado com rações preparadas a partir de carcaças recicladas de ruminantes. O agente etiológico (príon) está presente principalmente no tecido nervoso do animal infectado (cérebro, medula e nervos periféricos), é altamente resistente e não é inativado durante o processo de reciclagem das carcaças, o que permite a sua entrada na cadeia alimentar do gado bovino. Em seres humanos, a encefalopatia espongiforme transmissível ou variante da doença de Creutzfeldt-Jakob ("doença da vaca louca") é uma doença rara, invariavelmente fatal, que causa degeneração crônica do sistema nervoso central. A doença, que não existe no Brasil, é transmitida através de ingestão de carne bovina ou derivados contaminados com príons, partículas protéicas capazes de alterar o metabolismo celular levando à produção anormal de proteínas que se depositam no cérebro. Os príons, que também podem ser transmitidos a partir da transfusão de sangue de pessoas infectadas, não podem ser inativados por qualquer dos métodos (ferver, assar, fritar) utilizados no preparo da carne bovina para consumo.

 Doenças transmitidas através da água e alimentos



Medidas de proteção individual

A seleção de alimentos seguros é crucial, ainda que não seja tarefa simples. Em geral, a aparência, o cheiro e o sabor dos alimentos não ficam alterados pela contaminação com o agentes infecciosos. O viajante deve alimentar-se em locais que tenham condições adequadas ao preparo higiênico de alimentos. A alimentação na rua com vendedores ambulantes constitui um risco elevado de aquisição de doenças em qualquer lugar do mundo. Em países onde ocorre a encefalopatia espongiforme transmissível ("doença da vaca louca), deve ainda ser levado em consideração que nenhum dos métodos de preparo da carne bovina (inclusive cozimento) é capaz de inativar o agente causador da doença. O risco de transmissão é mais elevado em produtos que contenham quantidade maior de tecido nervoso, como hambúrgueres e embutidos (como salsichas, salames e mortadelas).

Os alimentos devem ser bem cozidos e servidos logo após a preparação, para evitar nova contaminação. Os alimentos preparados com antecedência devem ser novamente aquecidos, imediatamente antes do consumo e servidos ainda quentes ("saindo fumaça"). Os filtros portáteis disponíveis podem ser úteis para remover bactérias e cistos (protozoários) mas, em geral, permitem a passagem de vírus. O consumo de água mineral gaseificada,que tem menor risco de estar adulterada, e de outras bebidas engarrafadas industrialmente, como refrigerantes, cervejas e vinhos, é geralmente seguro. Café e chá bebidos ainda quentes não constituem risco. O congelamento não elimina os agentes infecciosos. Em razão disto, não deve ser utilizado gelo em bebidas, a não ser que tenha sido preparado com água tratada (clorada ou fervida). A adição de alcóol também não esteriliza a água ou o gelo, portanto as bebidas como batidas e caipirinhas podem estar contaminadas. Não se deve beber água mineral, refrigerantes ou cerveja diretamente de latas ou garrafas, sem lavá-las adequadamente, pois a parte externa do recipiente poderá estar contaminada. É preferível, utilizar canudo plástico (protegido individualmente por embalagem) ou copo adequadamente limpo. As verduras, particularmente as folhas (como a alface, a rúcula e o agrião), podem ser facilmente contaminadas e são difíceis de serem lavadas adequadamente.

Vendedora ambulante "filtrando" bebida para turistas.

Altiplano Andino, 1998.


Foto: Paula Filgueiras Etienne, 1998.


O tratamento químico da água a ser utilizada como bebida ou no preparo de alimentos pode ser feito com compostos halogenados (cloro ou iodo). O cloro e o iodo são capazes de eliminar a maioria dos agentes infecciosos e têm eficácia semelhante, quando utilizados nas concentrações e por períodos de tempo adequados para o tratamento. No entanto, os oocistos do Cryptosporidium parvum (que pode causar diarréia em imunodeficientes) são resistentes a ambos. Além disto, deve ser considerado que o iodo ingerido com a água pode induzir o mau funcionamento da tireóide, quando utilizado por longo período ou em indivíduos predispostos. Os compostos iodados estão absolutamente contra-indicados em gestantes e em pessoas portadoras de doenças tireoidianas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o tratamento da água a ser utilizada como bebida ou no preparo de alimentos com 6 mg de cloro para cada litro. O tratamento pode ser feito com hipoclorito de sódio a 2 - 2,5% (água sanitária) ou cloro em comprimidos. "Água sanitária" é a designação de um composto químico amplamente empregado para limpeza e desinfecção de superfícies, cujo princípio ativo é o hipoclorito de sódio (NaClO). É utilizada como agente clareador (alvejante), na dissolução de substâncias orgânicas e como germicida. No entanto, deve-se ter cuidado na aquisição de preparações contendo cloro ("água sanitária"). Existem algumas que, além do hipoclorito de sódio, contém outras substâncias (detergentes, aromatizantes) que as tornam impróprias para o tratamento da água para consumo. As instruções dos fabricantes devem sempre ser cuidadosamente lidas e o prazo de validade observado (o da água sanitária é de seis meses). O cloro é bastante eficaz contra diversosagentes infecciosos (bactérias, vírus, protozoários, helmintos, fungos => conferir). Quando se utiliza um conta-gotas de 1 ml = 20 gotas, 5 gotas de hipoclorito de sódio a 2,5% contém 6 mg de cloro. Como resultado, a concentração final de cloro empregada na desinfecção de água a ser utilizada como bebida é de 0,006%, cerca de 417 vezes menor (=> conferir que seu teor na água sanitária original.

O tratamento da água com comprimidos de cloro deve ser feito de acordo com as instruções dos fabricantes, observando-se cuidadosamente as recomendações em relação à concentração adequada para diferentes volumes e finalidades de utilização da água. Os comprimidos contendo cloro podem ser encontrados em diversas concentrações e algumas podem estar indicadas para o tratamento de volumes de até 100 litros de água. O cloro (hipoclorito de sódio ou comprimidos) deve ser adicionado à água no mínimo 30 minutos antes da sua utilização como bebida ou para o preparo de alimentos. Em geral, nos conta-gotas de 1 ml, esse volume corresponde a 20 gotas a serem adicionadas a cada litro de água destinada ao consumo como bebida. É prudente, no entanto, que a proporção 1 ml = 20 gotas seja sempre verificada em cada novo conta-gotas utilizado. Em recipientes fechados, a água tratada com cloro pode ser utilizada até por 24 horas. Como a eficácia do cloro pode ser reduzida pela presença de matéria orgânica, quando a água estiver turva a alternativa mais mais segura antes do consumo é a fervura, durante até um minuto.

Para desinfecção de frutas, verduras e legumes deve ser utilizado 2 ml (40 gotas) de hipoclorito de sódio a 2,5% para cada litro de água, ou comprimidos de cloro na concentração indicada pelo fabricante. Preliminarmente, para reduzir a quantidade de matéria orgânica presente, devem ser lavados com a água tratada com cloro. Em seguida devem ser mantidas imersas por 30 minutos na água clorada. Após este período de tempo, antes do consumo, devem ser lavados com água tratada com a mesma concentração de cloro adequada à sua utilização como bebida. A desinfecção deste tipo de alimento deve ser feita mesmo quando existe uma rede pública com água tratada disponível.

O risco de encefalopatia espongiforme transmissível ("doença da vaca louca) parece ter sido reduzido significativamente com as medidas sanitárias de controle adotadas (como a proibição do uso de rações preparadas a partir de carcaças de ruminantes). No entanto, os métodos habituais de preservação (congelamento, pasteurização e esterilização) e preparo (inclusive cozimento) de alimentos não inativam o agente causador da doença (príon) e os riscos, embora atualmente pareçam insignificantes, não podem ainda  ser considerados como inexistentes. Em razão disto, em países onde ocorra a doença no gado (Reino Unido, França etc.) para estar o mais protegido possível o viajante pode optar por não consumir carne bovina ou, em caso contrário, fazê-lo de modo seletivo. Nesta última circunstância, o consumo de de carne deve limitar-se às peças sólidas (músculos, como filé, alcatra etc.), que têm risco menor de transmissão. Adicionalmente, é recomendado que não consuma alimentos como hambúrgueres, salsichas, salames e mortadelas), considerados de risco mais elevado em razão de conter uma quantidade maior de tecido nervoso. O leite e os derivados do leite são seguros.

Medidas de proteção => Doenças transmitidas pelo consumo de água e alimentos
  • Hospedar-se em áreas com infra-estrutura adequadas (água e esgoto tratados).
  • Lavar sempre as mãos com água e sabão antes do preparo de alimentos, antes das refeições e quando utilizar o toalete.
  • Não consumir bebidas, sucos, sorvetes, gelo ou qualquer tipo alimento adquirido com vendedores ambulantes. Preferir alimentos cozidos ou fervidos, preparados na hora do consumo.
  • Utilizar água mineral gasosa engarrafada industrialmente, que em geral tem menor risco de estar adulterada e de transmitir de doenças. Quando não for possível, beber água tratada (cloro ou iodo) ou fervida.
  • Preferir o consumo de bebidas engarrafadas ou enlatadas industrialmente. Refrigerantes, cervejas e vinhos geralmente são seguros.
  • Não beber água mineral, refrigerantes ou cerveja diretamente de latas ou garrafas, sem lavá-las adequadamente. Utilizar canudo plástico embalado individualmente ou copo adequadamente limpo.
  • Não consumir leite não pasteurizado ou que não seja previamente fervido. Café e chá preparados com água fervida e bebidos ainda quentes não constituem risco.
  • Não consumir alimentos preparados à base de ovos (como maionese caseira), saladas, molhos, sobremesas tipo mousse, sucos, sorvetes e gelo.
  • Não consumir verduras, legumes e frutas cruas que não possam ser desinfectados no momento do consumo. As verduras são facilmente contaminadas e difíceis de serem lavados adequadamente.
  • Utilizar água mineral gasosa engarrafada industrialmente, que em geral tem menor o risco de transmissão de doenças. Quando não for possível, beba água clorada ou fervida. Verifique a composição do produto que contém cloro e observe atentamente as instruções dos fabricantes em relação à concentração adequada para diferentes volumes e finalidades de utilização da água para consumo.
  • Não consumir alimentos mal cozidos preparados à base de ovos (como maionese caseira), molhos, sobremesas tipo mousse, sucos, sorvetes e gelo.
  • Não consumir leite não pasteurizado (ou que não seja fervido) e de bebidas não engarrafadas industrialmente.
  • Não consumir verduras, como a alface, que não possam ser desinfectadas ou frutas cruas que não possam ser descascadas momento do consumo. As verduras são facilmente contaminados e difíceis de serem lavadas adequadamente.
  • Evitar o consumo carne bovina em países onde ocorra encefalopatia espongiforme transmissível. Não consumir alimentos considerados de maior risco, como hambúrgueres, salsichas, salames e mortadelas, que podem conter uma quantidade elevada de tecido nervoso. O leite e os derivados do leite são seguros.
  • Utilizar água tratada (ou mineral) para escovar os dentes. Em geral, mesmo em países desenvolvidos, a água disponível nos toaletes dos trens não é potável.
  • Certificar-se da necessidade de vacinas contra hepatite A, poliomielite, febre tifóide e cólera.

Recomendações para residentes em áreas de risco 

A forma mais efetiva de reduzir o risco de aquisição de doenças transmitidas por água e alimentos é a existência de infra-estrutura de saneamento básico adequada. Devem ser implementadas melhorias do sistema de armazenamento e distribuição de água tratada e a construção de redes de esgoto. A população deve receber informações sobre os riscos de transmissão de doenças através da ingestão de água e alimentos, sobre os cuidados necessários para evitá-las e deve ainda ter acesso a serviços de diagnóstico e tratamento. O Cives recomenda às pessoas que vão estabelecer residência em uma área na qual não exista saneamento básico adequado que:

Recomendações => áreas de risco

  • Em caso de utilização de água de poços ou coletada diretamente de rios ou lagoas, estabelecer (com supervisão técnica especializada) uma infra-estrutura domiciliar mínima que permita o tratamento (cloração) da água utilizada para consumo e preparo de alimentos.

  • Quando não houver um sistema público, estabelecer (com supervisão técnica especializada) uma infra-estrutura domiciliar mínima (fossa séptica) que permita a coleta e o tratamento de esgotos, sem contaminação do lençol freático.

  • Observem rigorosamente os cuidados de preparação higiênica de alimentos, incluindo o tratamento com água clorada, em concentração adequada à desinfecção.


Disponível em 08/09/2008, 11:07 h. Atualizado em 09/09/2008, 09:54 h.
 
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