Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes

Síndrome Respiratória Aguda Grave

Fernando S. V. Martins 

Em 12 de março de 2003 a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um Alerta Global sobre casos de pneumonia atípica aos quais denominou Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome), de causa ainda não estabelecida.

Em 11 de fevereiro de 2003, a OMS foi notificada sobre a ocorrência na província de Guangdong (China), desde 16 de novembro de 2002, de 305 casos de pneumonia atípica grave, 105 dos quais em profissionais da área da saúde. Ocorreram cinco óbitos, e em dois destes foi detectada presença de Chlamydia. A epidemia em Guangdong está em evolução e a causa ainda está sendo investigada.

Em 26 de fevereiro de 2003 foi identificado um caso de pneumonia atípica grave em uma pessoa de 47 anos que adoecera logo após ter chegado a Hanói (Vietnã), depois de ter visitado a China, incluindo Hong Kong. Em um período de 4 a 7 dias após a internação, sete profissionais da área de saúde que haviam cuidado do caso adoeceram com manifestações semelhantes. Em 13 de março o paciente evoluiu para o óbito, logo após ter sido transferido para Hong Kong (China).

Nos casos ocorridos a partir de 26 de fevereiro, os exames para determinação da etiologia (ELISA, PCR) da Síndrome Respiratória Aguda Grave não demonstram a presença de agentes conhecidos que poderiam estar envolvidos (influenza, parainfluenza, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia spp, hantavírus etc.). O achado de Chlamydia, uma bactéria que pode causar infecções respiratórias, foi possivelmente ocasional.

Três vírus tornaram-se candidatos a possível agente da Síndrome Respiratória Aguda Grave, o primeiro seria um novo vírus da família dos paramixovírus (laboratórios da Alemanha e Hong Kong), o segundo seria um metapneumovírus (laboratórios do Canadá) e o terceiro um novo coronavírus (laboratórios dos Estados Unidos, Alemanha e Hong Kong). Os paramixovírus e os coronavírus são duas famílias de vírus que podem causar infecções em animais vertebrados. Em seres humanos, os paramixovírus causam infecções respiratórias (vírus parainfluenza, vírus sincicial respiratório, metapneumovírus), sarampo, caxumba e encefalites (vírus Hendra e Nipah). A identificação do metapneumovírus, um vírus da família paramixovírus, foi feita apenas em 2001. Os coronavírus causam infecções respiratórias, sendo um dos mais freqüentes agentes do resfriado comum. Os paramixovírus (incluindo o metapneumovírus) e os coronavírus podem ser detectados em seres humanos com ou sem doença.

O novo coronavírus parece ser a causa da Síndrome Respiratória Aguda Grave. Um estudo realizado na Holanda demonstrou que o novo coronavírus é capaz de reproduzir a doença em primatas (macacos), o que não foi evidenciado com o metapneumovírus. O vírus associado à doença é diferente de todos os outros coronavírus conhecidos, como sugerem as análises do seu seqüenciamento genético. Estão em desenvolvimento três diferentes testes laboratoriais, porém nenhum deles ainda se mostrou útil para a detecção precoce de casos.

Riscos

As informações disponíveis sugerem que as manifestações surgem entre 2 e 10 dias (período de incubação) após o contágio e que a doença é menos transmissível que a gripe. Parecem ser possíveis a transmissão respiratória e pelo contato direto com fluidos corporais do indivíduo doente. A transmissão parece ocorrer somente após o aparecimento das manifestações. Não parece haver risco de transmissão através de contato casual. A maioria dos casos ocorreu em profissionais da área da saúde e estudantes de medicina ou em pessoas que tiveram contato muito próximo (como familiares) com  indivíduos doentes. A facilidade e a rapidez que tornam possível o deslocamento de um elevado número de pessoas para diversos países e regiões faz com que exista risco de disseminação da doença para novas áreas.

As pessoas (viajantes, tripulação dos aviões ou navios) que estiveram, há 10 dias ou menos, em áreas onde foram notificados casos ou que tenham tido contato direto com indivíduos com diagnóstico de Síndrome Respiratória Aguda Grave devem, caso apresentem febre e manifestações respiratórias (tosse, falta de ar etc), procurar imediatamente um serviço médico e informar sobre a viagem ou sobre contato com indivíduos doentes. Como a doença parece ser altamente transmissível para os contactantes próximos, inclusive profissionais da área da saúde, é necessário que o serviço tenha recursos técnicos adequados para isolamento, como recomendado pela OMS. O fato de um hospital ter quartos para "isolamento", não significa que estes sejam adequados para doenças de transmissão respiratória, como a tuberculose e a própria Síndrome Respiratória Aguda Grave. Além de quartos com isolamento adequado, é necessário que estejam disponíveis equipamentos de proteção individual (máscaras, luvas, óculos, gorros, capotes, aventais impermeáveis) tecnicamente indicados para doenças de transmissão respiratória e de contato. Como a maioria dos hospitais não dispõe destes recursos, espera-se que as autoridades da área de saúde designem locais de referência adequadamente equipados para atendimento dos eventuais casos suspeitos.

A OMS, em 27 de março, passou a recomendar a triagem de passageiros, antes do embarque, nas áreas onde tenha ocorrido transmissão local da doença, visando a detecção de manifestações compatíveis com a Síndrome Respiratória Aguda Grave. No caso de adoecimento a bordo de uma aeronave ou navio, a tripulação deve informar imediatamente às autoridades sanitárias do local de escala ou de destino para que sejam adotadas as providências adequadas. Todos os passageiros e a tripulação devem ser informados sobre a suspeita e, nestas circunstâncias, é importante que forneçam às autoridades de saúde do aeroporto os dados necessários para contato e, também, que recebam informações precisas de como proceder caso adoeçam. O risco de transmissão da doença durante uma viagem aérea parece estar restrito às pessoas que estiveram sentadas muito próximas do indivíduo doente (na mesma fileira e nas duas anteriores e duas posteriores). As aeronaves, por precaução, devem ser desinfectadas de acordo com o WHO Guide to Hygiene and Sanitation in Aviation.

As pessoas que tiveram contato muito próximo com indivíduos com suspeita de Síndrome Respiratória Aguda Grave devem receber informações adequadas sobre a doença. Podem manter suas atividades habituais, porém é necessário que evitem atividades sociais ou de negócios (festas, reuniões) e devem receber licença médica para afastamento temporário do trabalho ou das aulas. Dependendo da avaliação do risco, os contactantes podem ser objeto de vigilância passiva ou ativa, ambas durante 10 dias. Isto significa que, no primeiro caso, o contactante deve procurar as autoridades de saúde se desenvolver manifestações (febre), e no segundo que deve, diariamente, verificar a temperatura corporal e receber a visita (ou telefonema) de um agente dos serviços de saúde. A OMS não recomenda nenhuma medicação profilática para os contactantes sadios. Caso o contactante desenvolva febre deve ser, submetida a exame clinico em condições adequadas e, quando a avaliação indicar, internado em isolamento adequadamente equipado.

Casos notificados

Entre 1 de novembro de 2002 e 8 de julho de 2003 a OMS recebeu 8436 notificações de casos "prováveis" de Síndrome Respiratória Aguda Grave (sem acréscimo em relação ao boletim de 7 de julho), incluindo 812 óbitos. Deste total, 7433 pessoas já se recuperaram ou tiveram alta. A epidemia de Guangdong está relacionada com os casos ocorridos a partir de 26 de fevereiro, o que a OMS passou a admitir oficialmente apenas em 26 de março. Como o diagnóstico da Síndrome Respiratória Aguda Grave é feito pela exclusão de outras doenças, o número e a origem dos casos podem ser alterados freqüentemente. Em 28 de abril, a OMS retirou o Vietnã da lista de países onde ocorre transmissão da doença, em razão de não ter sido registrado novos casos por mais de 20 dias consecutivos (o dobro do período de incubação). A transmissão local parece ter sido interrompida em todos os países, em 7 de julho de 2003. A partir de 8 de julho, o número de casos será atualizado apenas se houver alteração desta situação.

Síndrome Respiratória Aguda Grave: casos prováveis
notificados por países e áreas, entre 01/11/02 - 08/07/2003 


País                                 Casos              Data do último caso


Alemanha               10               04/06/03
Austrália               5               12/05/03
África do Sul           1               09/04/03
Brasil                1               09/06/03
Canadá                250               27/06/03
China                5327               25/06/03
China (Hong Kong)    1755               11/06/03
China (Macau)           1               21/05/03
Colombia                1               05/05/03
Coréia do Sul           3               14/05/03
Espanha                 1               02/04/03
Estados Unidos**       74               23/06/03
Filipinas***           14               15/05/03
Finlândia               1               07/05/03
França                  7               09/05/03
Índia                   3               13/05/03
Indonésia               2               23/04/03
Inglaterra****          4               29/04/03
Irlanda (República)     1               21/03/03
Itália                  4               29/04/03
Kuwait                  1               09/04/03
Malásia                 5               20/05/03
Mongólia                9               06/05/03
Nova Zelândia           1               30/04/03
Romênia                 1               27/03/03
Russia (Federação)      1               31/05/03
Singapura#            206               18/05/03
Suécia                  3               18/04/03
Suíça                   1               17/03/03
Tailândia               9               07/06/03
Taiwan                671               19/06/03
Vietnã##               63               14/04/03 
Total                8436 (sem acréscimo de casos)
Fonte: OMS, 08/07/2003
**     A OMS registrava como "'área de transmissão local limitada, sem evidencia de disseminação para a comunidade" de12 até
        30/04/2003 (veja a distribuição de casos por estado).
***   Diagnóstico retrospectivo feito na Inglaterra de duas pessoas que adoeceram (e tiveram alta) em fevereiro de 2003 nas Filipinas .
**** A OMS registrava como "área de transmissão local limitada, sem evidencia de disseminação para a comunidade", até 30/04/2003
#      Preferível etimologicamente, em vez de "Cingapura"
##    O Vietnã foi retirado da lista de países onde ocorre transmissão local da doença

Áreas com transmissão local recente

A OMS define uma área como de "transmissão local recente" aquela onde ocorreu transmissão da Síndrome Respiratória Aguda Grave nos últimos 20 dias, de acordo com as informações das autoridades nacionais de saúde pública. A Inglaterra (Londres) e os Estados Unidos (áreas não informadas) foram retirados da lista por estarem há mais de 20 dias sem registrar transmissão na comunidade. Em 14 de abril, a OMS retirou o Canadá (Toronto) da lista de países onde ocorre transmissão local recente da doença, em razão de não ter sido registrado novos casos por mais de 20 dias consecutivos (o dobro do período de incubação). Em 20 de abril, pelo mesmo motivo, as Filipinas (Manila) também deixaram de constar da relação. O Canadá informou à OMS a ocorrência de uma doença respiratória (com pneumonia) associada a dois hospitais de Toronto, o primeiro com 5 (em 22 de maio) e o segundo com 26 (em 24 de maio), totalizando 31 casos. Por cautela, os doentes foram investigados como possíveis casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave. A OMS, certamente também por cautela, manteve o status de Toronto como área onde não havia transmissão local recente até 25 de maio. Em 26 de maio, 34 casos (8 prováveis e 26 suspeitos) ligados a quatro hospitais foram notificados à OMS que, então, incluiu o Canadá (Toronto) como área de transmissão local recente, sem recomendar restrição a viagens. Em 30 de maio Singapura foi retirada da lista de países com transmissão local recente, por não ter registrado transmissão de novos casos por mais de 20 dias consecutivos. Por motivo idêntico, em 13 de junho, a OMS também retirou da lista de áreas com transmissão recente Guangdong, Hebei, Hubei, Jilin, Jiangsu, Mongolia Interior, Shanxi, Shaanxi e Tianjin (todas na China). Em 24 de junho a OMS deixou de fazer restrições às viagens para Beijing (Pequim). Em 2 de julho, Toronto foi retirada da lista de áreas com transmissão local recente. Em 7 de julho a transmissão foi considerada interrompida em Taiwan..

Medidas de prevenção

Não há como impedir a entrada de pessoas com a Síndrome Respiratória Aguda Grave, visto que milhares de pessoas chegam (aviões, navios, ônibus etc) diariamente ao país. A triagem de todos os passageiros na chegada além de inviável é inútil, uma vez que uma pessoa pode levar até dez dias para apresentar as manifestações da doença.

A estratégia para evitar a disseminação da doença baseia-se na detecção precoce e isolamento adequado dos casos que possam acontecer em pessoas provenientes de outros locais. Para tanto é necessário que todas as pessoas que ingressam no país, por qualquer meio de transporte, recebam material informativo contendo as manifestações da doença e locais de referência a serem procurados. Este material informativo deve, adicionalmente, estar disponível na rede hoteleira. É conveniente ainda que as embaixadas e consulados também recebam as informações, pois é razoável que um estrangeiro que adoeça no Brasil possa pedir auxílio às representações diplomáticas de seu país de origem.

O Cives recomenda (desde de 16 de março) que, por cautela, seja considerada a possibilidade de adiar as viagens, quando não essenciais, para todas as áreas onde foram notificados casos de transmissão local (inclusive Guangdong, China) da Síndrome Respiratória Aguda Grave, até que estejam disponíveis informações mais precisas sobre cada área.

A OMS passou a recomendar, apenas em 2 de abril, que as pessoas evitassem viagens não essenciais para Guangdong e Hong Kong e, no dia 23, passou também a incluir Shanxi, Beijing (Pequim) e Toronto. Em 29 de abril a OMS deixou de fazer restrições às viagens a Toronto, pelo fato do Canadá  não ter registrado transmissão na comunidade por 20 dias consecutivos. A OMS, contudo, não explica porque Toronto não foi incluida antes de 23 de abril entre os locais a serem evitados, uma vez que estava ocorrendo transmissão na comunidade. Em 23 de maio a OMS também deixou de fazer restrição às viagens a Gangdong e Hong Kong, porque a epidemia "está sendo contida" nestes locais.

As visitas às pessoas com suspeita de Síndrome Respiratória Aguda Grave devem ser limitadas ao máximo e, quando eventualmente ocorrerem, o visitante deve estar usando, sob supervisão, os equipamentos de proteção individual adequados.

Manifestações

As manifestações da Síndrome Respiratória Aguda Grave são semelhantes às da gripe: febre alta de início súbito, tosse seca, dor no corpo, na cabeça e na garganta. Além disto, pode ocorrer falta de ar, perda do apetite, mal estar, confusão mental, exantema e diarréia. O exame de sangue (hemograma) pode evidenciar uma diminuição acentuada das plaquetas (trombocitopenia) e dos leucócitos (leucopenia), o que de modo algum confirma o diagnóstico da doença. A maioria dos casos (mais de 80%) começa a apresentar melhora após uma semana de doença, porém alguns evoluem de forma grave e, eventualmente, podem necessitar do uso de próteses respiratórias ("respiradores"). A letalidade média da Síndrome Respiratória Aguda Grave, que depende de fatores como idade, presença de doenças associadas e recursos disponíveis para tratamento, é estimada atualmente em cerca de 15%.

Síndrome Respiratória Aguda Grave:
faixa etária e letalidade estimada 


Faixa etária (anos)      Letalidade (%) 
< = 24                     < 1
25 a 44                      6
45 a 64                     15
> 65                       >50 
Fonte: OMS, 07/05/2003

Disponível em 16/03/2003, 23:58 h. Atualizado em 08/07/2003, 20:16 h.

Fontes: Centers for Disease Control and Prevention (CDC)Health Canada Online, Organização Mundial da Saúde e ProMed.

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