Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes


Sífilis

Luciana GF Pedro,Terezinha Marta PP Castiñeiras &, Fernando SV Martins


A sífilis (lues) é uma doença crônica,
sexualmente transmissível, causada por uma bactéria - Treponema pallidum. Cerca de três semanas após a infecção, geralmente na região genital, surge uma lesão ulcerada indolor na pele ou mucosa, que desaparece mesmo sem tratamento. No entanto, quando a doença não é tratada, pode ocorrer disseminação do T. pallidum através da circulação sanguínea, levando ao acometimento de vários órgãos, inicialmente sem manifestações clínicas.


Transmissão

A sífilis é transmitida de uma pessoa para outra através do contato direto com lesões sifilíticas infectantes, geralmente, durante relações sexuais. As lesões da sífilis primária e secundária são altamente infectantes e estima-se que a transmissão ocorra em aproximadamente um terço dos indivíduos expostos a estas lesões. O risco de transmissão sexual é maior nos estágios iniciais da doença, com redução gradual ao longo do tempo. Uma pessoa infectada pode transmitir a doença para outra sem saber, pois muitas vezes a lesão inicial não é percebida e o diagnóstico não é feito. Por óbvio, uma pessoa que contraiu  sífilis também ficou exposta ao risco de aquisição de outras doenças sexualmente transmissíveis (Aids, hepatite B etc.). A sífilis também pode ser transmitida pelo beijo quando há lesão ativa na cavidade oral ou através de sexo oral.

A aquisição de sífilis pode ocorrer ainda através da placenta durante a gestação (sífilis congênita), ou, mais raramente, por transfusão de sangue contaminado. Atualmente a transmissão de sífilis através de transfisão de sangue é extremamente incomum nos locais onde é realizada a testagem sistemática nos doadores de sangue. Além disto, T. pallidum não consegue sobreviver por mais de 24-48 horas nas condições ideais de estocagem do sangue utilizadas nos bancos de sangue.  A sífilis não pode ser transmitida através do contacto com assentos de vasos sanitários, piscinas, banheiras, roupas, utensílios domésticos (garfos, colheres, facas etc.).


Riscos

A sífilis tem distribuição global com cerca de 12 milhões de casos novos por ano no mundo, mais de 90% ocorrem em países em desenvolvimento. Os riscos de aquisição de síflis, embora sejam maiores nos países em desenvolvimento, existem em todo o mundo, principalmente onde a prática do turismo sexual é comum. O Sul e Sudeste Asiático são as regiões com maior número de casos registrados, seguidos pela África sub-Saariana.

Durante viagens, a prática de atividades sexuais desprotegidas é mais freqüente. O risco de aquisição das doenças sexualmente transmissíveis (DST) depende exclusivamente do comportamento do viajante. Até 50% dos viajantes referem contato sexual durante viagens e esta proporção é ainda maior nas viagens de longa duração. A sensação de anonimato e o uso de bebidas alcoólicas ou drogas ilícitas podem diminuir a capacidade de julgamento do indivíduo, facilitando a prática desprotegida de atividades sexuais com parceiros (homens ou mulheres) de maior risco, como os profissionais do sexo.  


Medidas de proteção

O viajante deve adotar as medidas de proteção contras as doenças sexualmente transmissíveis. A única forma 100% segura de prevenção das DST, inclusive da sífilis, é a abstinência sexual. No entanto, o uso correto de preservativos pode reduzir significativamente o risco de transmissão. Para aqueles viajantes que consideram a abstinência sexual impraticável, está recomendado o uso sistemático de preservativos, inclusive durante sexo oral. Todo indivíduo que apresente lesão ulcerada em genitália, aumento dos gânglios inguinais, corrimento ou dor à micção deve procurar imediatamente assistência médica. Adicionalmente, é desejável que os indivíduos assintomáticos que se expuseram a situações de risco de aquisição de DST também procurem orientação médica.

A prevenção da sífilis congênita depende do diagnóstico e tratamento adequado da infecção em mulheres grávidas. Todas as grávidas devem ser submetidas à triagem sorológica para sífilis na primeira consulta pré-natal e, em áreas onde a prevalência da infecção é alta, também na 28 semana de gestação e no pós parto imediato. Todas as gestante com diagnóstico de sífilis devem ser tratadas para evitar a transmissão da doença para o concepto.


Manifestações

A sífilis é uma doença de evolução lenta e, quando não tratada,  pode permanecer assintomática e continuar evoluindo por meses ou anos. De acordo com o tempo de evolução da doença e a presença de manifestações clínicas, a sífilis pode ser classificada em primária, secundária, latente e terciária.

Sífilis primária

Após a infecção,  entre 3 e 90 dias (em média, três semanas) surge uma pápula (lesão elevada e arredondada) no local da inoculação do T. pallidum, que evolui em pouco tempo para ulceração indolor, geralmente única, de 1 a 2 cm de diâmetro, com bordas elevadas, na pele ou mucosas (genital, lábios, boca) que caracteriza a sífilis primária. A lesão ulcerada (cancro) permanece por três a seis semanas e desaparece mesmo sem tratamento, o que não significa que a doença foi curada. Quando a sífilis primária não é tratada pode ocorrer disseminação de T. pallidum através da circulação sanguínea e a doença continua a evoluir, embora a pessoa não apresente qualquer manifestação.


Sífilis secundária

Semanas ou poucos meses após a sífilis primária, cerca de 25% dos indivíduos não tratados desenvolvem a sífilis secundária, que é uma doença sistêmica cuja manifestação mais comum  é o aparecimento de exantema cutâneo (manchas avermelhadas) disseminado, que pode ser observado inclusive nas mãos (palmas) e nos pés (plantas). O acometimento cutâneo geralmente está associado à febre baixa, dor no corpo, dor de garganta, perda do apetite, emagrecimento, dor articular e aumento generalizado dos gânglios. Pacientes com sífilis secundária podem ou não ter história de lesão ulcerada inicial, pois o cancro pode ter passado desapercebido por ser indolor ou se localizar em regiões de difícial visualização (anus, parte interna da vagina). Em alguns casos, a sífilis secundária ocorre quando o cancro ainda está presente, o que é mais comum em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Placas acinzentadas (condiloma lata) podem surgir em áreas úmidas, como a cavidade oral e região genital, em pacientes com sífilis secundária. Estas lesões possuem uma grande quantidade de microorganismos e são altamente infectantes.

Sífilis latente
A sífilis latente se refere a um período no qual o paciente encontra-se infectado pelo T. pallidum, mas não apresenta qualquer manifestação clínica.  Nestes casos o diagnóstico só é possível através de exames sorológicos.


Sífilis terciária

Sem tratamento, a doença pode continuar evoluindo, apesar da regressão das manifestações clínicas iniciais. Em estágios mais avançados, pode haver o comprometimento cardíaco, neurológico e da pele ou  tecido subcutâneo (goma sifilítica), o que caracteriza a sífilis terciária. As manifestações da sífilis terciária podem ocorrer de um até trinta anos após a infecção inicial.  Cerca de 25 a 40% dos pacientes com sífilis não tratada evoluem para sífilis terciária. O comprometimento cardíaco mais característico da sífilis é a dilatação da porção ascendente da aorta (aneurisma da aorta) e o mal funcionamento de uma das vávulas cardíacas (a válvula aórtica), resultanto em insuficiência cardíaca de instalação insidiosa. A sífilis terciária com envolvimento do sistema nervoso central pode resultar em demência (quando acomete o cérebro) ou em dificuldade de equilíbrio para deambular (quando há o comprometimento da medula). A goma sifilítica, raramente observada nos dias de hoje, são lesões que podem surgir tanto na pele como nos ossos e órgãos. Na pele, a goma pode se apresentar como uma lesão ulcerada ou elevada, de tamanho variado.


Sífilis congênita

Durante a gravidez, a sífilis materna sem tratamento pode resultar em abortamento, parto prematuro, recém-nascido com sinais clínicos de sífilis congênita ou, mais freqüentemente, no nascimento de uma criança aparentemente saudável que desenvolve manifestações posteriormente. A transmissão da mãe para o concepto pode ocorrer em qualquer período da gestação e em qualquer estágio da doença, sendo mais frequente em gestantes com sífilis primária ou secundária. Mas mesmo nos casos de sífilis assintomática, a transmissão ocorre em até 40% das gestações quando a infecção foi adquirida há menos de 1 ano e em até 10 % nos casos de sífilis terciária. A morte intra-uterina ocorre em até 25% dos fetos acometidos, com uma mortalidade adicional de 25 a 30% no período periparto, quando não são tratados. Dos recém-nascidos com sífilis que sobrevivem, cerca de 2/3 são assintomáticos. As manifestações clínicas podem surgir precocemente (até 2 anos de idade) ou posteriormente. Lesões cutâneas com acometimento de palmas e plantas, icterícia (olhos amarelado), anemia e aumento do baço e do fígado são manifestações comuns e que ocorrem precocemente, em geral nas primeiras 5 semanas de vida. Após dois anos de idade, a criança pode apresentar deformidades ósseas (em face), alterações dentárias, cegueira e surdez. As manifestações tardias podem ser prevenidas se o recém-nascido for tratado até os três primeiros meses de vida.


Confirmação do diagnóstico

T. pallidum é uma bactéria que não é cultivável em laboratório, portanto o diagnóstico de sífilis geralmente se baseia na visualização direta do microorganismo em material clínico (por exemplo, raspado de lesões ulceradas) ou, mais comumente, em exames sorológicos. Para a visualização direta do treponema é necessário equipamento apropriado (microscópio de campo escuro) e pessoal técnico qualificado, o que limita a realização deste método diagnóstico a alguns laboratórios de referência. Os exames sorológicos são métodos indiretos que dependem da produção de anticorpos em resposta à infecção. Portanto nos estágios iniciais da doença, uma sorologia não reativa não descarta a possibilidade de sífilis. Cerca de 30% dos pacientes com sífilis primária, em vigência de lesões ulceradas, têm sorologia não reativa, pois ainda não desenvolveram anticorpos.

A triagem sorológica é comumente feita com a relização do VDRL (Venereal Disease Research Laboratories). Quando o VDRL é reativo, é recomendável a realização de um outro método sorológico para a confirmação do diagnóstico, pois em algumas situações o VDRL pode ter um resultado falso positivo (doenças febris agudas, tuberculose, gestação, doenças hepáticas crônicas, neoplasias em estágios avançados, lupus eritematoso sistêmico, entre outras). O resultado dos exames reativos do VDRL é expresso em títulos de anticorpos (1/4, 1/16, 1/32...) e pode ser utilizado para o acompanhamento da resposta ao tratamento.


Tratamento

O tratamento da sífilis é feito com antibiótico, em geral da classe das penicilinas, e o esquema deve estar de acordo com o estágio da doença. O tratamento deve ser seguido rigorosamente e o controle de cura deve ser feito através de exames sorológicos (VDRL). O parceiro sexual, necessariamente, também deve ser tratado. A sífilis não confere proteção, portanto, quem já teve sífilis pode se reinfectar em caso de nova exposição. O tratamento adequado da gestante evita o comprometimento do concepto.
 

Disponível em 18/09/2004, 20:45 h. Atualizado em 31/10/2004, 21:11 h
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