Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cives
Centro de Informação em Saúde para Viajantes


Informação Técnica

Confirmação laboratorial do diagnóstico de febre amarela e dengue

Fernando S. V. Martins & Terezinha Marta P. P. Castiñeiras

A possibilidade de febre amarela deve ser investigada em toda pessoa que desenvolva febre e tenha retornado de áreas endêmicas, no Brasil ou no exterior, há menos de dez dias. A confirmação do diagnóstico não tem importância para o tratamento do paciente. É, no entanto, fundamental,  para que sejam tomadas as medidas epidemiológicas visando minimizar os riscos de uma epidemia em área urbana. A necessidade de confirmação do diagnóstico não deve retardar a notificação. Todo caso com suspeita de febre amarela deve ser imediatamente notificado à Secretaria Estadual de Saúde.

Em todo caso com suspeita de febre amarela, é importante que seja sempre investigada a possibilidade de malária (distensão e gota espessa, coradas pelo Giemsa), uma vez que  as áreas de transmissão são comumente superponíveis e as manifestações são semelhantes. O período de incubação da  malária, em geral, é de 9 e 40 dias, mas pode ser de  meses ou, eventualmente, anos. Quando o periodo de incubação é compatível para ambas (até o décimo dia de saida da área), a comprovação do diagnóstico de malária não afasta a possibilidade de febre amarela e também a confirmação do diagnóstico de febre amarela  não exclui o de malária.

O dengue e a leptospirose têm manifestações iniciais identicas e evolução confundível com a febre amarela. A diferenciação pode ser feita apenas através de exames laboratoriais. O dengue, à semelhança da  febre amarela e da leptospirose, pode evoluir de modo grave ("hemorrágico"). As formas graves de febre amarela e leptospirose em geral são ictéricas, o que é muito raro no dengue.  A leptospirose grave (doença de Weil) pode evoluir modo semelhante à forma grave da febre amarela, com icterícia, insuficiência renal e sangramentos. A confirmação do diagnóstico de  leptospirose é feita através de exames sorológicos (microaglutinação pareada). A doença meningocócica  (meningococcemia e meningite)  pode ser semelhante às formas graves do dengue, mas o agravamente do paciente ocorre mais precocemente, em geral, no primeiro ou segundo dia de evolução. Embora todas essas infecções (inclusive malária) possam causar certo grau de alteração funcional hepática, a febre amarela, destaca-se por cursar comumente com aminotransferases ("transaminases") em valores muito elevados, geralmente superiores a dez vezes aos de referência ("normais").

A utilização da "prova do laço" em pessoas com suspeita diagnóstica de dengue, como critério de triagem ou de diagnóstico para os casos potencialmente graves, além de inútil, é perigosa. Esse exame está  negativo em 20 a 50% dos casos de dengue "hemorrágico” e positivo em até 25% dos casos de dengue  “clássico”. Não permite, portanto, a diferenciação entre ambos. Além disso, também pode estar positivo em pessoas saudáveis e em doenças confundíveis com o dengue  (leptospirose, malária, febre amarela, sepse, rubéola), sendo portanto destituído de qualquer valor no diagnóstico diferencial. A sua realização, além de induzir ao erro, acarreta demora no atendimento e desconforto físico para o paciente.

A confirmação do diagnóstico de febre amarela e de dengue pode ser realizada através de exames sorológicos (MAC-Elisa), PCR (polymerase chain reaction), RT-PCR (reverse transcription - polymerase chain reaction) ou do isolamento do vírus em cultura. Adicionalmente, para o dengue, foi desenvolvida a técnica de detecção da antigenemia NS1 (nonstructural 1 glycoprotein), de execução mais simples e de custo menor do que a PCR ou do que a RT-PCR.  A cultura e a PCR são positivas durante o período de viremia, em geral desde imediatamente antes de surgirem os sintomas até o quinto dia da infecção. A detecção da antigenemia NS1pode ser útil para amostras colhidas até o décimo dia de doença. A sorologia começa a ser reativa  ("positiva") a partir do quarto dia de doença. Deve ser feita em duas amostras de soro, uma vez que a primeira pode ser não reativa, em razão da precocidade da colheita, o que é ainda mais comum quando a técnica sorológica utilizada não é o MAC-Elisa. A primeira amostra deve ser colhida no atendimento inicial e a segunda 14 dias após a primeira. A confirmação do diagnóstico, em geral, pode ser feita em até 48 horas. A sorologia não permite a distinção entre a infecção natural e a induzida pela vacina anti-amarílica. Como parece óbvio, a sorologia,  a PCR, a RT-PCR, a detecção da antigenemia NS1 ou a cultura não permitem o diagnóstico de dengue grave ("hemorrágico"), mas apenas o de dengue. O diagnóstico de dengue grave ("hemorrágico") é, essencialmente, clínico e o início das medidas terapêuticas não deve aguardar nenhum exame confimatório.Em pessoas que evoluem para o óbito, além de soro, deve ser colhido, durante a autópsia, ou com auxílio de viscerótomo ou agulha de biópsia fragmentos de fígado, baço, linfonodos e timo. A realização de biópsia hepática in vivo é absolutamente contra-indicada, pelos riscos de sangramento que envolve.

Estes exames, em geral, são realizados apenas em Laboratórios de Referência, públicos ou privados. As instruções para colheita e remessa de material para confirmação diagnóstica devem ser criteriosamente seguidas. Os cuidados com a colheita e remessa do material são essenciais para um resultado confiável. Os dados relativos ao paciente são fundamentais para que o Laboratório possa interpretar adequadamente os resultados. O Cives sugere a utilização da Ficha de Informações, para que os dados sejam padronizados.

A solicitação de exames deve ter um objetivo e ser capaz de produzir uma conseqüência e isso deve ser explicado ao doente pois, afinal, é dele o sangue que se está colhendo. Resultados que ficam disponíveis depois que a pessoa está curada (ou morta) podem ser úteis para outras finalidades  (estatísticas, medidas epidemiológicas), mas não para o individuo que permitiu que a amostra fosse colhida. Ao se colher um exame, deve ser claramente explicitado qual o tempo previsto para que o resultado esteja disponível e qual será sua a utilidade quando isso ocorrer. Durante uma epidemia, uma vez estabelecida a causa, é um desperdício de recursos investir na confirmação sorológica ou virológica de todos os casos com  suspeita de dengue. Os recursos de laboratório podem ser mais adequadamente utilizados para confirmar o diagnóstico de casos graves e fatais atribuídos ao dengue, monitorar possíveis casos em áreas não atingidas e detectar a circulação de novos tipos de vírus.

A medida terapêutica mais importante para os casos de febre amarela, dengue e leptospirose é a hidratação. O tratamento da  leptospirose (inclusive a anictérica) adicionalmente, pode incluir antibióticos, se feitos até o quarto dia (inclusive) do início dos sintomas. Uma pessoa que apresente febre, com ou sem manifestações hemorrágicas, e que evolua com hipotensão e choque em menos de 24 a 48 horas, com ou sem sinais de irritação meníngea, não está com dengue grave ("hemorrágico"). Mais provavelmente estará com doença meningocócica e deve receber, de imediato, tratamento antibótico (ceftriaxone) venoso e, além disto, os contactantes devem fazer a profilaxia adequada. Aguardar resultados de exames para iniciar a terapêutica constitui um erro grosseiro, que pode custar a vida de uma pessoa.

O manuseio de sangue ou qualquer outro material biológico de origem humana implica na adoção de cuidados (usar luvas, não reencapar agulhas) para evitar a transmissão de infecções (hepatite B e C, SIDA) para o profissional de saúde, independente do diagnóstico ou condição do paciente. O Brasil possui diversos Laboratórios de Referência, capacitados a realizar a confirmação do diagnóstico defebre amarela. O Instituto Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro), o Instituto Adolfo Lutz (São Paulo) e o Instituto Evandro Chagas (Belém) realizam sorologia, isolamento viral, exames histopatológicos e de imunohistoquímica. Os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN) do Amapá, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Roraima, Tocantins e o Instituto de Medicina Tropical do Amazonas realizam apenas a sorologia. No Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, os materiais destinados à confirmação do diagnóstico de febre amarela e de dengue devem ser encaminhados ao Laboratório de Flavivírus do Departamento de Virologia do Instituto Oswaldo Cruz - Pavilhão Hélio & Peggy Pereira, Av. Brasil, 4365Manguinhos. No Rio, é  possível também encaminhá-los ao Laboratório Central Noel Nutels (LACEN), que dispõe de plantão de 24 horas/dia para recebimento desses materiais. A confirmação laboratorial do diagnóstico (sorologia), em geral, pode ser feita em até 48 horas.


Atualizado em 08/04/2009, 07:36 h
Página Principal Doenças Infecciosas Informação para o Viajante
©Cives
 
Os textos disponíveis no Cives são, exclusivamente, para uso individual. O conteúdo das páginas não pode ser copiado, reproduzido, redistribuído ou reescrito, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem  autorização prévia.
Créditos: Cives - Centro de Informação em Saúde para Viajantes